sábado, 8 de junho de 2013

Bem-aventurados os que não desistem de si mesmos, porque é deles a virtude do amor próprio...


Na noite lenta e morna, morta noite sem ruído, um menino chora.
O choro atrás da parede, a luz atrás da vidraça
perdem-se na sombra dos passos abafados, das vozes extenuadas.
E no entanto se ouve até o rumor da gota de remédio caindo na colher.

Um menino chora na noite, atrás da parede, atrás da rua,
longe um menino chora, em outra cidade talvez,
talvez em outro mundo.

E vejo a mão que levanta a colher, enquanto a outra sustenta a cabeça
e vejo o fio oleoso que escorre pelo queixo do menino,
escorre pela rua, escorre pela cidade (um fio apenas).
E não há ninguém mais no mundo a não ser esse menino chorando.

"Menino chorando na noite", de Carlos Drummond de Andrade


Tenho hoje tantas palavras a sufocarem-me, a apertarem-me por dentro... Amontoadas, desordenadas, dançam à roda de mim num vendaval inquieto... E sei que não as conseguirei dizer, que trairei tudo o que sinto...