quinta-feira, 6 de junho de 2013

"Não posso salvar uma época. Limito-me a constatar a sua perda, sem nostalgia, resistindo à desmemoria, à frivolidade e ao ressentimento.

 No meio das noites e dos improváveis sonhos....


Conta-me, Poeta, das palavras que nascem no segredo da noite, conta-me de como levantas as pedras nos caminhos nocturnos em busca da palavra mais rara, de como olhas a lua tentando descobrir uma mulher branca, de facto transparente, que esconda palavras leves como asas, conta-me, Poeta.

Percorres os dias, ofereces sorrisos, distribuis farpas, amas a musa e os filhos, escreves, olhas a luz, abrigas-te na sombra, os deveres, as devoções, tudo certo. Mas é à noite, quando soltas os sonhos, quando as rolas arrulham, meigas, e se aninham, quando os gatos se enroscam desfiando velhas sabedorias, quando as gaivotas se enlaçam nos rochedos, quando as árvores abrigam mulheres perdidas, é à noite que tu és rei do teu reino inventado, e as palavras descem, bailarinas improváveis, doces companheiras, amantes indecentes.

É isso, Poeta?
Conta-me. Conta-me com as tuas palavras tão leves.


                                                    Saldo do dia, o poema:
                                                    o deve e o haver, o peso, o custo
                                                    e tudo o mais que não fica na memória.