Sou de há muito admiradora amantíssima de Eugénio de Andrade. Gosto de o ler, gosto de o ouvir.
Fisicamente há nele qualquer coisa de um Jorge Luis Borges, acho-os muito parecidos e, no jeito de falar, também: um lado de quem não vê o mundo como ele é, de quem sonha o mundo tal como o viu no tempo em que a inocência o mostrava limpo, branco.
A sua poesia traz a saudade da sua mãe, das mãos da sua mãe, e traz a elegia dos corpos desejáveis dos rapazes, dos rapazes correndo na praia ou no campo como animais, como cavalos jovens, o sexo elevando-se como uma haste, e traz a pureza de uma sombra de verão caindo lisa sobre uma parede caiada, e traz o perfume das maçãs dispostas sobre as mesas, a simplicidade das coisas verdadeiras.
As palavras como gotas de música, como um olhar límpido, como o desejo que nasce puro e etéreo.
Não voltarei à fonte dos teus flancos
ao fogo espesso do verão
a escorrer infatigável
dos espelhos, não voltarei.
Não voltarei ao leito breve
onde quebrámos uma a uma
todas as frágeis
hastes do amor.
Eis o outono: cresce a prumo.
Anoitecidas águas
em febre em fúria em fogo
arrastam-me para o fundo.
Entre a folha branca e o gume do olhar
a boca envelhece
Sobre a palavra
a noite aproxima-se da chama
Assim se morre dizias tu
Assim se morre dizia o vento acariciando-te a cintura
Na porosa fronteira do silêncio
a mão ilumina a terra inacabada
Interminavelmente