sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Um surrealista Português, Alexandre O'Neill...(de gene celta)


No Natal, detesto...
Pais natais insufláveis a subirem pelas paredes exteriores das casas...
Aqueles paninhos com o menino Jesus, quais bandeiras de Portugal em época de competição desportiva, a abanar por essas janelas e varandas...
Gosto de O'Neill , por exemplo...
Alexandre O'Neill era descendente de Irlandeses... Mas o que é que a Irlanda tem, que para além de nos dar Oscar Wilde, James Joyce, Samuel Beckett, &c ainda nos deixa Alexandre O'Neill? Quero esse gene celta...

Portugal
Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!
*
Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há "papo-de-anjo" que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.

Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...
(Amadeo de Sousa Cardoso)